Os doze principais frutos do Espírito Santo
Considerando
os frutos do Espírito Santo como sendo todos os atos últimos e deleitáveis das virtudes
e dos dons - ou, em outras palavras, como todas as obras virtuosas com que nos
comprazemos -, sua enumeração deveria ser muito extensa. Entretanto, o Apóstolo
distingue apenas doze em sua Epístola aos Gálatas: "O fruto do espírito é
a caridade, a alegria, a paz, a paciência, a longanimidade, a bondade, a
benignidade, a mansidão, a fidelidade, a modéstia, a continência, a
castidade" (Gl 5, 22-23).4 A propósito, Santo Agostinho explica que São
Paulo não tinha o intuito de dar o número exato desses dons, mas apenas mostrar
o "gênero de coisas" em que devemos buscá-los.5 São Tomás, por sua
vez, considera adequada essa enumeração paulina, explicando que "todos os
atos dos dons e das virtudes podem, com certa conveniência, ser reduzidos a
esses frutos".6 E classifica os frutos enumerados pelo Apóstolo conforme
os diferentes modos pelos quais o Espírito Santo procede conosco.A mente
humana, esclarece o Doutor Angélico, deve estar ordenada em si mesma, em
relação ao que está ao seu lado e em relação ao que lhe é inferior. Os três
primeiros frutos do Espírito Santo - caridade, alegria e paz - ordenam a alma
em si mesma em relação ao bem, enquanto a paciência e longanimidade o fazem em
relação ao mal. Bondade, benignidade, mansidão e fidelidade a ordenam em relação
aos outros; e modéstia, continência e castidade, em relação àquilo que lhe é
inferior.
Caridade
A caridade
- "sentimento primordial e raiz de todos os sentimentos", segundo São
Tomás - é o primeiro fruto do Espírito Santo. Nela, o Paráclito dá-Se de forma
toda particular "como em Sua própria semelhança", uma vez que, no
eterno e inefável convívio entre as três Pessoas da Santíssima Trindade, Ele é
o Amor substancial do Pai para com o Filho, e do Filho para com Pai.7 Quando
uma alma é cumulada pela seiva divina do Espírito de Caridade, o amor a
arrebata e transforma por completo. Assim aconteceu com Santa Maria Madalena, a
pecadora pública perdoada e restaurada a ponto de encabeçar a lista das virgens
invocadas na Ladainha de Todos os Santos.Tocada por um amor corajoso, não
hesitou ela em comprar os melhores perfumes e, alheia ao respeito humano, lançar-se
aos pés de Jesus, lavá-los com suas lágrimas e enxugá- los com seus cabelos.
Foi uma manifestação de amor veemente, exclusivo e - quase se diria -
irrefletido, por não medir esforços nem calcular consequências. Bem podem se
aplicar a ela as palavras de São Francisco de Sales: "A medida de amar a
Deus consiste em amá- Lo sem medida". Ou as de São Pedro Julião Eymard:
"O que é o amor senão o exagero?".Note-se, entretanto, que a caridade
nem sempre vem acompanhada de consolações para a alma que a pratica, pois,
sendo uma virtude, reside na vontade, e não no sentimento. Assim, "não se
trata necessariamente de um amor sentido, mas de um amor intensamente querido;
e tanto mais querido, nas almas fervorosas, quanto menos sensível for".8A
verdadeira prova da autenticidade da caridade é o fato de ela vir acompanhada
de uma repulsa inteira ao pecado, pois diz Santo Agostinho: "Ficará
demonstrado que amas o que é bom se vires em ti que odeias o que é mau".9
Não podemos esquecer, por fim, um fundamental desdobramento deste fruto do
Espírito Santo, ensinado pelo próprio Cristo: "Amarás a teu próximo como a
ti mesmo" (Mt 22, 39). No dizer de Santo Agostinho, "o amor ao
próximo é como o princípio do amor a Deus". E "não há degrau mais
seguro para subir ao amor de Deus que a caridade do homem para com seus
semelhantes".
Alegria
Corolário
do amor a Deus e ao próximo é a alegria, "pois quem ama se alegra por
estar unido ao amado. Ora, a caridade tem sempre presente a Deus, a quem ama,
segundo o dizer da primeira Carta de João: ‘Quem permanece no amor, permanece
em Deus, e Deus nele' (I Jo 4, 16). Portanto, a alegria é consequência da
caridade". Longe de se confundir com os gozos passageiros, provenientes de
frivolidades ou de ações proibidas pela Lei de Deus, que logo se transformam em
frustração, a alegria do Espírito Santo é toda sobrenatural e penetra até o
fundo da alma. Por isso pôde São Paulo dizer: "Estou cheio de consolação,
transbordo de gozo em todas as nossas tribulações" (II Cor 7, 4).
Paz
"Mas
a perfeição da alegria é a paz", afirma o Doutor Angélico. E isto sob dois
aspectos: "Primeiro, quanto ao repouso das perturbações exteriores, pois
não pode desfrutar perfeitamente do bem amado o que é perturbado por outros
nessa fruição". E, segundo, "no sentido que ela acalma a
instabilidade dos desejos, pois não goza da alegria perfeita quem não se
satisfaz com o objeto que o alegra". Não há, pois, absolutamente nada que
possa perturbar uma alma abandonada à ação do Espírito Santo, porque ela
"têm consciência de estar na posse do único bem a que está apegada; sabe
que possui a Deus; sabe-se amada por Ele ‘até a loucura', apesar de sua miséria
e, por sua vez, também ama a Deus sem medida". De fato, como a paz é
procurada em nossos dias, e como parece escorregar de nossas mãos! Numa
existência agitada e ruidosa, marcada a fundo pela violência e pelo pecado,
tudo concorre para arrancar- nos a paz interior. Como são atuais as palavras de
Jeremias: "Exclamam ‘Paz, paz!' quando não há paz" (Jr 6, 14).
Paciência
Depois de
considerar os frutos do Espírito Santo que ordenam a mente para o bem, vejamos
aqueles que a levam a atuar de forma correta perante a adversidade: a paciência
e a longanimidade.O primeiro nos torna inalteráveis ante os males iminentes; o
segundo, imperturbáveis com a prolongada espera dos bens, dado que a privação
destes já é um mal. Derivada da fortaleza, a virtude da paciência "inclina
a suportar sem tristeza de espírito nem abatimento de coração os padecimentos
físicos e morais". Segundo Santa Catarina de Sena, a paciência é a
"rainha posta na torre da fortaleza, que vence sempre e nunca é
vencida". Assim aconteceu com o justo Jó que, tendo perdido as riquezas,
os filhos e a saúde, com a mesma atitude de alma continuava glorificando seu
Criador: "O Senhor deu, o Senhor tirou: bendito seja o nome do
Senhor!" (Jó 1, 21).Quando o Espírito Santo produz em nossas almas esse
fruto, tornamo- nos conformes à vontade de Deus; almejamos imitar o exemplo de
Jesus Cristo e de Maria Santíssima na Paixão; compenetramonos da necessidade de
reparar nossos pecados, purificando-nos no cadinho do sofrimento.
Longanimidade
Pela
longanimidade, o Espírito Santo nos leva a aguardar com equanimidade, sem
queixas nem amargura, os bens que esperamos de Deus, do próximo e de nós
mesmos. Não se trata de uma espera passiva e preguiçosa, mas sim de uma
manifestação de coragem que se estende no tempo, de uma dilatada esperança que
nos faz fortes de alma nas delongas espirituais.
Frutos de
longanimidade vemos em abundância na vida de Santa Mônica, durante os muitos
anos em que receava pela salvação eterna do filho Agostinho, transviado na
imoralidade e na heresia. Sem nunca esmorecer na confiança, rezava
persistentemente pela sua conversão. Deus, comprazido em contemplar nessa mãe
exemplar os frutos que Ele mesmo semeara, deu-lhe a honra sublime de ter o
filho elevado à condição de um dos grandes luminares da Santa Igreja.
Bondade
Depois de
bem disposta a mente em relação a si mesma, cumpre ajustá- la em relação ao que
lhe está ao redor: o próximo. Isto se dá, em primeiro lugar, pela bondade, isto
é, pela "vontade de agir bem". Por efeito de nossa união com Deus,
somos compelidos pelo Espírito Santificador a beneficiar os outros. Nossa alma
como que se dilata e expande, a ponto de nos converter, de certa forma, em
amor. Pois, "como o carvão ou a barra de aço, em si mesmos negros e frios,
se tornam brilhantes e ardentes como o fogo, assim a alma imersa nesse braseiro
de amor que é o Espírito Santo se torna semelhante em todas as coisas ao divino
Espírito". Jesus nos deixou registrado o paradigma dessa bondade na
parábola do filho pródigo (cf. Lc 15, 11-32).Deus é o pai que espera
ardentemente o retorno daqueles que d'Ele se afastaram pelo pecado e se
encontram enlameados e impregnados de mau odor. Fica ansioso, por assim dizer,
de nos ver procurar um de seus ministros no misericordioso tribunal da
Reconciliação, para nos perdoar, sarar nossas feridas espirituais e
fortalecer-nos a fim de não reincidirmos nas mesmas faltas.
Benignidade
O fruto da
benignidade se distingue ao da bondade por já ser, não só um querer, mas um
praticar efetivo do bem. Aqui o carvão ou a barra de aço do exemplo anterior
não apenas brilham e ardem, mas queimam e inflamam.Por isso "chamam-se
benignos aqueles a quem o ‘fogo bom' do amor se inflama em favor do
próximo". Modelo desse amor que "se inflama em favor do próximo"
foi São Vicente de Paulo. Pedia insistentemente a Deus que lhe desse um
espírito benigno; e conseguiu, com a ajuda da graça, domar seu temperamento seco
e bilioso, tornando- se cortês e afável.Transformou-se a ponto de se lhe tornar
natural uma polidez de trato maravilhosa, com palavras sempre amáveis para todo
tipo de pessoas.
Mansidão
Uma
terceira disposição da mente ao ordenarse em relação ao próximo é a mansidão,
pela qual refreamos a ira e suportamos com serenidade de espírito os males
infligidos pelos outros.Santa Teresinha do Menino Jesus nos dá belíssimos
exemplos de mansidão perante impulsos de irritação, ensinando-nos a praticar
esta virtude na vida cotidiana.Eis um deles: Estando um dia as freiras
trabalhando na lavanderia conventual, constituída por grandes tanques
comunitários, aconteceu de uma irmã, por falta de atenção, lançar sobre a Santa
uma chuva de água com sabão. Como é natural, isso lhe provocou um ímpeto de
indignação. Mas, acalmada pela brandura do Espírito Santo, logo se conteve,
recorrendo ao piedoso subterfúgio de imaginar que o Menino Jesus estava
brincando com ela... esborrifando-lhe água e sabão.
Fidelidade
Como
último fruto de nosso bom relacionamento com o próximo, temos a fidelidade, que
nos faz "manter a palavra dada, as obrigações assumidas, os contratos
estipulados". A fidelidade complementa a mansidão no sentido de que, se
esta nos leva a não prejudicar o próximo pela ira, aquela nos conduz a não
fraudá-lo nem enganá-lo. Ora, "isso é a fé, tomada no sentido de
fidelidade", afirma São Tomás. "E se a tomarmos como fé em Deus,
então o homem por ela se ordena ao que lhe é superior, ou seja, dispõe- se a
submeter seu intelecto a Deus e, por consequência, tudo o que possui".
Modéstia
Por fim,
após ordenar-se a mente em face do que lhe está em volta, cumpre fazê-lo quanto
ao que lhe é inferior, e isto se dá em primeiro lugar pela modéstia,
"observando o comedimento em tudo o que diz e faz".Esta virtude
mantém nossos olhos, lábios, risos, movimentos, enfim, toda a nossa pessoa, sem
excluir nossos trajes, nos justos limites "que correspondem a seu estado,
habilidade e fortuna". Santo Agostinho recomenda particular cuidado com a
modéstia exterior, que tanto pode edificar quanto escandalizar os que nos
rodeiam. Note-se que a afirmação do Bispo de Hipona não deve ser interpretada
num sentido exclusivamente negativo. A modéstia exterior inclui também o dever
positivo de revestirse das roupas, gestos e atitudes próprias a edificar o
próximo e dar glória a Deus.Lê-se na vida de São Francisco de Assis um episódio
que ilustra quanto o cumprimento desse dever pode produzir nas almas um efeito
equivalente ou talvez maior que o de um sermão. Certa vez, ele convidou um
frade, seu discípulo, a acompanhálo: - Irmão, vamos fazer uma pregação -
disse-lhe.Após percorrerem a cidade em silêncio, São Francisco retomou o
caminho do convento. Sem entender o que se passava, o frade perguntou: - Mas,
meu pai, não dissestes que íamos fazer uma pregação?Aqui estamos de volta, e
não proferimos uma só palavra... E o sermão? - Já o fizemos. Não percebes que a
vista de dois religiosos andando pelas ruas com estas vestimentas e em atitude
de recolhimento vale tanto quanto um sermão? - respondeu o Santo.
Continência e Castidade
Também em
relação ao que lhe é inferior - isto é, às paixões - ordenam o homem a
Continência e a Castidade.Segundo São Tomás, elas se distinguem uma da outra
"quer porque a castidade nos refreia em relação ao que é ilícito, e a
continência ao que é lícito, quer porque a pessoa continente sofre as
concupiscências, mas não se deixa arrastar por elas, enquanto o casto nem as
sofre e muito menos as segue". Com efeito, a alma que produz o fruto da
castidade torna-se realmente angélica. Muito ao contrário dos tormentos
interiores de agitação e ansiedade, nos quais vive quem se entrega às paixões
desordenadas, o casto já antegoza o Céu na terra.A continência, a seu lado,
"robustece a vontade para resistir às concupiscências desordenadas muito
veementes"; portanto, indica um freio, enquanto a pessoa abstém-se de
obedecer às paixões. Ela, assim, prepara a alma para essa castidade, pois
"os que fazem tudo quanto é permitido acabarão por fazer o que não é
permitido".
Espírito de Amor e intercessão de Maria
Qual navio
batido pelas ondas na procela, a alma sente neste vale de lágrimas os
falaciosos atrativos da carne, convidando-a ao naufrágio.Muito bem exprime São
Paulo essa difícil situação: "Sinto, porém, nos meus membros outra lei,
que luta contra a lei do meu espírito e me prende à lei do pecado, que está nos
meus membros. Homem infeliz que sou! Quem me livrará deste corpo que me
acarreta a morte?" (Rm 7, 23-24).Mas, aos olhos do bravo navegante que, em
vez de desanimar, ergue a vista à busca da salvação, sempre está a brilhar um
farol: "A lei do Espírito de Vida me libertou, em Jesus Cristo, da lei do
pecado e da morte.O que era impossível à lei, visto que a carne a tornava
impotente, Deus o fez" (Rm 8, 2-3).Dada a nossa natural insuficiência,
agravada pelas consequências do pecado original, torna-se indispensável o
auxílio divino para completarmos a árdua corrida rumo à eterna bem-aventurança.
E o Espírito de Amor vem sempre em socorro da nossa fraqueza, com suas graças e
dons. Ele não cessa de interceder por nós "com gemidos inefáveis" (Rm
8, 26) e ainda nos dá como medianeira e advogada sua Fidelíssima
Esposa.Saibamos recorrer sempre a Ela. Pois a poderosa intercessão de Maria
Santíssima é a via mais segura para transformar graminhas estéreis em frondosas
árvores carregadas de frutos.
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